Análise de fluência em chaminé metálica: Case de sucesso

Toda estrutura é submetida a diferentes tipos de carregamento, os quais cabe ao projetista considerar da forma correta durante o dimensionamento do equipamento. As cargas gravitacionais, de vento e sobrecargas são alguns exemplos típicos de solicitações em estruturas e equipamentos. Além destes carregamentos, as cargas térmicas são de extrema relevância para a integridade estrutural, uma vez que essas impõem esforços internos nos elementos para se contraporem à dilatação térmica sofrida.

Em geral, as estruturas expostas ao tempo e construída em regiões com condições climáticas normais (transportadores, prédios, máquinas de pátio etc.) estão submetidas a variações de temperatura ao longo da vida na ordem de 20°C. Para locais com condições climáticas extremas podem ser atingidos valores superiores, como no deserto de Gobi, onde no verão a temperatura chega a 45°C e no inverno a -40°C. Para calcular a mudança de comprimento linear de um corpo devido à ação da temperatura utiliza-se a seguinte fórmula:

A dilatação térmica se converte em tensão interna em um elemento caso a deformação seja restrita pelo meio externo. Veja o exemplo da Figura 1, em que é apresentada uma mesma viga com duas condições de contorno distintas. A viga à esquerda, simplesmente apoiada, se dilata uniformemente sem alteração de forma quando aquecida de 20°C a 100°C. Nessa condição não são geradas forças contrárias ao movimento da estrutura, provenientes da dilatação térmica, e a tensão resultante decorrente da carga térmica é desprezível. Na viga à direita, bi engastada, a dilatação térmica é restrita pelo apoio, resultando em forças contrárias à expansão, alterando assim a forma e gerando tensões na estrutura. Esse exemplo simples retrata a consideração geral dos efeitos de temperatura sobre o dimensionamento estrutural. Na Figura 2 é mostrada a deformação de um trilho de ferrovia quando submetido à variação de temperatura.

Figura 1: Reações e deformações de uma viga simplesmente apoiada (esq.) e uma viga bi
engastada (dir.) quando aquecida.
Figura 2: Trilho restrito axialmente e deformado devido à dilatação térmica.

A análise termo-estrutural é realizada para avaliar a influência da carga térmica sobre as deformações, e, consequentemente, sobre as tensões. Pelo método dos elementos finitos, existem duas maneiras de considerar essa interação: o acoplamento termo-estrutural fraco e o forte. O acoplamento fraco consiste em realizar uma análise térmica para determinar o campo de temperaturas e utilizar estes dados como entrada no modelo estrutural, sem que a alteração de um parâmetro influencie no outro. Já o forte realiza a solução das equações de forma concomitante, considerando a interação entre as soluções (veja um exemplo de acoplamento entre fenômenos no artigo de FSI).

A maneira mais comum de realizar as análises termo-estruturais é por meio do acoplamento fraco, por possuir menor custo computacional e diferenças mínimas para a maior parte dos problemas de engenharia.

Além das tensões geradas pelas reações à dilatação térmica, existem outros efeitos importantes para serem considerados durante o dimensionamento. Este artigo irá abordar a seguir os conceitos de fluência, as maneiras de considerar este efeito na resistência estrutural e um estudo de caso que ilustra a importância da consideração da fluência na segurança estrutural de uma chaminé.

A fluência em metais é um fenômeno que acontece quando um material é submetido a uma tensão constante e continua se deformando ao longo do tempo. Imagine uma viga bi apoiada que sustenta o peso de um motor. Caso a viga esteja em temperatura ambiente (20°C a 40°C), ela vai se deformar ao colocar o motor sobre ela e, após isso, se manterá estática com a deformação constante. Se essa mesma viga estiver submetida a uma temperatura de 500°C, dependendo do nível de tensão ela continuará a se deformar, podendo chegar ao colapso.

A fluência ocorre mais rapidamente em altas temperaturas, como em motores de aviões ou turbinas, em que as peças metálicas estão sob calor intenso e tensões de forma simultânea. Com o tempo, essa deformação pode afetar a integridade do material, fator que deve ser levado em consideração durante o dimensionamento.

O fenômeno é caracterizado por três estágios: o primeiro é o transiente, no qual a estrutura se deforma pelos carregamentos externos e em parte pelo efeito de fluência; o segundo é uma deformação estacionária e constante; por fim, o terceiro estágio é instável, podendo culminar na ruptura do material. A Figura 3 apresenta o esquema típico para ensaios de fluência e as três fases explanadas.

Figura 3: Esquema de ensaio típico de fluência, ilustrando os três estágios de deformação observado para o corpo de prova.
FONTE: Adaptado de Dowling – 2013.

“A deformação por fluência em materiais metálicos passa a ser significativa para temperaturas acima do range de 30 a 60% da temperatura de fusão do material” – Dowling – 2013. As análises de fluência podem ser consideradas de diferentes maneiras. A abordagem mais simplificada utilizada para projetos de estruturas submetidas a incêndios é a redução do módulo de elasticidade e da tensão resistente em função da temperatura atuante. Essa abordagem, no entanto, não é capaz de predizer a parcela de deformação plástica por fluência do material em função do tempo de exposição. Para isso, existem métodos empíricos que consideram as tensões atuantes e o tempo por meio de equações que definem a resistência do material em função do tempo, além de modelos reológicos que estudam a micromecânica do material. A Figura 4 apresenta as curvas de módulo de elasticidade e tensão de escoamento em função da temperatura, comumente utilizadas na avaliação simplificada.

Figura 4: Redução da tensão de escoamento e do módulo de elasticidade em
função da temperatura atuante – FONTE: Adaptado de EN-1993-1-2.

As chaminés metálicas são submetidas a temperaturas altas provenientes do contato com os gases de saída dos fornos. Em geral, são utilizados refratários e isolantes para reduzir a temperatura atuante no costado e manter a integridade do equipamento. No entanto, existem processos em que o uso do refratário não é indicado por questões de dificuldade de sua manutenção, risco de desprendimento, contaminação do metal produzido e até mesmo acidentes. Sendo assim, algumas chaminés são construídas com o costado em contato direto com o gás.

Em um recente estudo realizado pela Kot Engenharia, foi analisado um conjunto de chaminés metálicas comprometidas por deformações excessivas em todo o costado. Para avaliação das causas das falhas e proposição de soluções, dividiu-se o trabalho em quatro etapas:

  • Inspeção em campo para detecção de não conformidades e alterações de projeto;
  • Medição de temperatura com câmera termográfica;
  • Análise estrutural por elementos finitos (estática, flambagem, fadiga, não linear {fluência}) e proposição de soluções;
  • Monitoramento das temperaturas nas chaminés mais novas para correlação com sensores existentes e determinação de limites seguros de operação.

Durante a inspeção foram observadas deformações em toda a base do costado. Para conter o avanço das deformações já havia sido instalado uma torre de apoio secundário para by-pass do carregamento compressivo na região. A Figura 5 apresenta a estrutura deformada e a torre de escoramento instalada.

Figura 5: Deformação na parede do costado das chaminés com estrutura externa
de suportação instalada para redundância e redução do risco de colapso estrutural.

Além das deformações, foram observadas alterações de projeto que aumentavam o travamento da chaminé, vide Figura 6. Como ilustrado na Figura 1, estruturas submetidas à temperatura e com maiores contenções são mais solicitadas e apresentam, em geral, tensões mais altas. Essas alterações de projeto foram consideradas no modelo computacional para avaliação das causas de falha do equipamento. Outras não conformidades foram identificadas e soluções foram propostas para assegurar a integridade do ativo.

Figura 6: Alteração das juntas de expansão e apoios deslizantes identificadas
durante a visita em campo.

A termografia é uma técnica de imagem utilizada para obtenção do perfil de temperatura de um corpo radiante. A câmera utiliza sensores para detectar e mapear a radiação infravermelha emitida por objetos ou superfícies. A conversão de imagem ocorre pela calibração de parâmetros de emissividade do material, os quais são definidos pelo estado da superfície, variando em função da temperatura. Sendo assim, a partir das medições realizadas foram calibradas as emissividades do material para construção do perfil térmico das chaminés.

Após as medições e com base nos registros da temperatura dos gases pelos termopares da empresa, pôde-se observar que as três chaminés apresentavam temperaturas distintas, que variavam ao longo do dia. Sendo assim, foram avaliadas diversas combinações de distribuição de temperatura entre as chaminés, seguindo a tendência de registro de alguns dias de operação.

A Figura 7 apresenta uma das imagens termográficas capturadas, enquanto a Figura 8 mostra a distribuição de temperatura entre as chaminés. Além dos carregamentos de temperatura, foram consideradas outras ações para determinação das combinações de carga avaliadas.

Figura 7: Termografia realizada para determinação do perfil de temperatura.
Figura 8: Distribuição de temperatura nas chaminés para um dos casos de carregamento avaliados.

Para caracterização das falhas e proposição dos reforços, foram realizados diversos testes de hipóteses e executadas diferentes análises. As avaliações estáticas indicaram reprovações em algumas regiões do equipamento devido à diferença de temperatura, que resultava em deformações distintas provenientes da dilatação térmica, elevando as tensões atuantes. Além disso, verificou-se regiões susceptíveis à abertura de trincas, conforme observado na Figura 9. É importante ressaltar que as regiões mais críticas identificadas no estudo de fato apresentavam danos em campo.

Figura 9: Resultados da análise de fadiga, indicando vida útil das soldas inferior ao tempo de operação
do ativo – em destaque as trincas na região observadas em campo.

Para caracterização do problema central, que eram as deformações permanentes no costado, foram conduzidas análises de flambagem linear e análises não lineares de fluência, uma vez que a chaminé alcançava temperaturas superiores a 450°C, podendo atingir valores próximos a 620°C, que se enquadram como críticos para os efeitos de deformação por fluência.

As análises executadas identificaram que o costado possuía risco de flambagem para operação acima de certas temperaturas, como apresentado na Figura 11. Além disso, na análise não linear de fluência foi observado que a operação da chaminé em temperaturas elevadas, por tempos superiores à duas horas, culminava em deformações plásticas permanentes superiores aos limites admissíveis normativamente, como pode ser visualizado na Figura 10.

Figura 10: Resultados da análise não linear de fluência.
Figura 11: Análise de flambagem identificando o risco de flambagem no costado da chaminé.

Após a identificação dos problemas que ocasionavam as falhas na estrutura, foi iniciado o processo de proposição de reforços e melhorias. Essa etapa contava com algumas particularidades do processo que deveriam ser atendidas, tais como: permitir a operação até certa temperatura, não utilizar refratários para facilitar a manutenção, reduzir o risco de contaminação do material produzido e realizar uma avaliação para obtenção da solução com menor impacto econômico e facilidade de instalação possíveis.

Com isso, foram propostas modificações do material, de geometria, melhoria das soldas e alteração das conexões para permitir a dilatação da estrutura. Com os reforços propostos foi possível aumentar a vida em fadiga das soldas mais críticas em 350%, adequar a estrutura aos requisitos de resistência à flambagem para todo o range de temperaturas de operação e permitir que a nova chaminé possa operar em temperaturas de 600°C por períodos de até 10 horas, melhorando o controle do processo e garantindo a segurança e integridade operacional da estrutura. As figuras a seguir exemplificam as modificações propostas (Figura 12) e o resultado das análises considerando a implementação dos reforços (Figura 13).

Figura 12: Exemplo de modificação proposta para melhoria da dilatação térmica da estrutura.
Figura 13: Resultado comparativo da análise estática antes e após a implementação dos reforços.

Como a resistência do material é dependente da temperatura atuante, foi necessário estabelecer limites seguros de operação, uma vez que os materiais possuem limites físicos de resistência (veja Figura 4). Sendo assim, foi executado um monitoramento contínuo com termopares soldados à estrutura do costado, visando determinar uma correlação entre o sensor de aferição do gás com a temperatura do costado. Essa correspondência permitiu que o cliente trabalhe sempre seguindo as condições seguras de operação.

Figura 14: Instrumentação contínua de temperatura na chaminé para controle do processo.

Após o estudo detalhado realizado pela Kot, observou-se que as falhas da chaminé estavam relacionadas às modificações nas condições de apoio dos dutos e principalmente às altas temperaturas de operação. Os resultados das análises de flambagem e não lineares de fluência representaram de forma assertiva o estado de deformação verificado em campo, indicando que os modelos construídos são fiéis à realidade.

Com as modificações propostas na geometria e a indicação dos ranges seguros de operação foi possível conceber uma estrutura adequada à operação e dentro da realidade de instalação e custos objetivada pelo cliente. Este trabalho retrata a importância da compreensão dos fenômenos físicos envolvidos e a assertividade alcançada com a correta utilização do método dos elementos finitos, tanto na caracterização dos aspectos de falha quanto na proposição de reforços e adequações mais simples e eficientes.

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Equipe Kot Engenharia

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