Segurança estrutural: Conceitos básicos e interpretação de resultados

O que é segurança estrutural?

Segurança estrutural é a condição em que uma estrutura opera com o desempenho esperado. Uma definição mais técnica e precisa é abordada por Leonhardt e Monning, que delimitam que o conceito refere-se à capacidade da estrutura de resistir às ações e solicitações com uma folga adequada [1].

Essa definição elaborada pelos autores, que são referência nos estudos de estruturas de concreto armado, é interessante por apresentar dois dos conceitos mais relevantes ao tema: capacidade (ou resistência) e solicitação (ou ação).

Capacidade: resistência, desempenho e durabilidade

A capacidade da estrutura, em geral, é referente à sua resistência mecânica, isso é, o esforço máximo que a estrutura é capaz de suportar. Além disso, quando o contexto em questão é o de resistência, o desempenho também deve ser levado em consideração de acordo com finalidade estrutural.

Por exemplo, para que certa laje suporte um dado equipamento mecânico de alta precisão, além de resistir aos esforços empregados pelo objeto em funcionamento, também é necessário verificar se os deslocamentos que ocorrem na estrutura são compatíveis com as tolerâncias associadas à precisão da máquina em questão.

A partir da avaliação, verifica-se a capacidade potencial de conservação de uma estrutura ao longo de sua vida útil, isso é, sua durabilidade. Fenômenos como a ação de agentes corrosivos e a agressividade do meio ambiente são levados em consideração nessa análise.

Solicitações: uso previsto, vida útil e fases da vida de uma estrutura

Em suma, as solicitações consistem em tudo aquilo que exige uma resposta da estrutura, sendo elas:

  • Cargas gravitacionais: peso próprio da estrutura e do que está apoiado sobre ela;
  • Ações por influência do ambiente: insolação, vento, chuva, variação de temperatura, etc.;
  • Ações decorrentes do uso da estrutura: sobrecargas de uso, acúmulo de materiais, cargas dinâmicas, etc;
  • Ações extraordinárias (que podem ou não ocorrer): impacto causado pela colisão de um veículo em um pilar de um viaduto, por exemplo.

Naturalmente, as solicitações dependem do uso previsto para a estrutura. Um viaduto, por exemplo, está submetido à esforços diferentes daqueles que um prédio de processos industriais.

Além disso, o tempo de vida previsto para cada estrutura também é um fator a ser considerado. Por exemplo, a vida útil de uma ponte é diretamente relacionada ao número de veículos que passarão sobre ela. Esse número, inclusive, é um dos parâmetros relevantes para seu dimensionamento a partir do critério de resistência à fadiga, que é utilizado para obras de arte especiais (OAE).

Nesse sentido, uma vez levantada a capacidade admissível da estrutura e as solicitações atuantes sobre ela, realiza-se a comparação dessas grandezas, como apresentado na Figura 1.

Figura 1: Comparação entre grandezas. FONTE: Acervo Kot.

Assim, quando os valores admissíveis são superiores aos valores solicitantes, é correto afirmar que a estrutura ou equipamento está apto para operação. Caso contrário, modificações ou reforços são necessários.

Metodologias de avaliação da segurança estrutural

A partir deste conceito de segurança estrutural, resta esclarecer como o processo é realizado. Sendo assim, existem diferentes metodologias para a avaliação da segurança estrutural, e este artigo apresenta os dois métodos mais utilizados nas últimas décadas.

Método das tensões admissíveis (ASD)

Primeiramente, o método das tensões admissíveis, conhecido como Allowable Stress Design (ASD), é o mais antigo e tem como principais vantagens a sua simplicidade e rapidez. Tradicionalmente, todas as solicitações previstas são consideradas simultaneamente com o seu valor esperado – dito valor nominal – ainda que considerações diferentes possam ser utilizadas de acordo com o cenário específico.

A partir disso, realiza-se a análise estrutural e as tensões solicitantes são obtidas e comparadas com os valores admissíveis, que consistem na tensão de resistência do material reduzida por um fator de segurança global pré-fixado. O coeficiente de segurança é definido pelas normas técnicas e seu valor é estabelecido com base na experiência dos engenheiros que integram os comitês normativos.

Desse modo, é possível dizer que a principal desvantagem do método ASD é a sua metodologia baseada em experiência, uma vez que o risco de erros associado não é cientificamente conhecido. Em razão disso, esse método tem caído em desuso e, no momento, não é adotado pelas principais normas técnicas internacionais do setor de estruturas.

Método dos Estados Limites (LRFD)

Este método, conhecido como método dos fatores parciais ou da sigla em inglês Load and Resistance Fator Design (LRFD), possui como principal vantagem a aplicação da teoria das probabilidades para a definição dos valores das solicitações e das resistências [3].

Em contrapartida ao ASD, o LRFD não utiliza um fator de segurança global. Ao invés disso, são aplicados fatores de majoração nas cargas e de redução nas resistências. Tais fatores, denominados parciais, são definidos estatisticamente com o objetivo de obter uma probabilidade de falha já conhecida, levando em conta os seguintes aspectos [2]:

  • A possibilidade de uma ação ser maior do que o esperado;
  • A possibilidade de ocorrerem várias ações simultaneamente;
  • A possibilidade da resistência do material ser abaixo do esperado;
  • Incertezas relacionadas aos efeitos das ações, às propriedades geométricas da estrutura e às características específicas do material.

Essa probabilidade de falha varia de acordo com o conjunto normativo empregado. No Brasil, por exemplo, a norma ABNT NBR 6118:2014, referente às estruturas de concreto armado, estabelece que:

“Para os efeitos desta norma, a resistência característica inferior (do concreto) é admitida como sendo o valor que tem apenas 5% de probabilidade de não ser atingido (…).”

Isto é, ainda que os fatores de minoração da resistência sejam aplicados, a resistência do material será inferior à prevista em projeto em 5% das ocasiões, como explicita o gráfico disposto na Figura 2. O mesmo raciocínio se aplica às solicitações: elas serão majoradas, mas é possível que o seu valor de projeto seja superado.

Figura 2: Frequência em relação aos valores de solicitação e resistência. FONTE: Acervo Kot.

Ademais, é relevante ressaltar que o método em questão é guiado por estados limites, os quais são definidos, segundo a norma brasileira ABNT NBR 8681:2003, como:

“Estados a partir dos quais a estrutura apresenta desempenho inadequado às finalidades da construção.”

Ou seja, são condições não desejadas que devem ser evitadas no dimensionamento da estrutura, as quais são divididas em 2 (dois) grupos: estados limites últimos (ELU) e estados limites de serviço (ELS), como ilustrado na Figura 3 a seguir.

Figura 3: Estados limites últimos (ELU) e Estados limites de serviço (ELS). FONTE: Acervo Kot.

Estados limites últimos (ELU)

Relacionados à resistência, quando um ELU é detectado, a estrutura ou parte dela deve ser paralisada. Mediante isso, geralmente cada conjunto normativo define os ELU’s que devem ser verificados em uma estrutura. No Brasil, esse aspecto é atendido novamente pela norma ABNT NBR 8681:2003, que apresenta os seguintes ELU’s de avaliação obrigatória:

  • Movimento de corpo rígido: quando uma estrutura se move como um todo. É mais comum durante a fase de construção da estrutura;
  • Ruptura: quando um componente estrutural possui resistência mecânica inferior à necessária;
  • Dinâmica: quando a resposta dinâmica leva a estrutura à instabilidade;
  • Flambagem: quando a estrutura se torna instável devido à sua deformação, mesmo que a ruptura ainda não tenha sido atingida.

Estados limites de serviço (ELS)

Relacionados ao desempenho e à durabilidade da estrutura, quando um ELS é detectado, a estrutura não atende aos objetivos para os quais foi construída. Apesar de não indicar uma falha iminente, a ocorrência de um ELS se caracteriza como uma não conformidade.

A ABNT NBR 8681:2003 indica que os ELS’s são caracterizados por:

  • Vibração excessiva ou desconfortável: movimentos repetitivos que dificultam e/ou impossibilitam a permanência de um indivíduo na estrutura;
  • Deslocamentos excessivos: deslocamentos que podem fazer com que o uso da estrutura seja prejudicado. Por exemplo, uma laje que se deformou e passou a acumular água nessa região;
  • Danos pequenos: deformações que causam pequenas avarias, mas que não comprometem a estrutura, como o exemplo das trincas nos cantos de janelas.

Interpretação e avaliação de resultados

Apesar de introdutórios, os conceitos discutidos neste artigo auxiliam na interpretação e avaliação básica de resultados obtidos em verificações estruturais. Dessa maneira, assim como ocorre em memórias de cálculo e relatórios técnicos, ao avaliar tais resultados, é importante tomar algumas medidas:

  • Identificar qual metodologia foi utilizada para a avaliação da segurança estrutural.

É importante ter ciência de qual conjunto normativo e qual metodologia estão sendo empregados. Na maioria dos países (como ocorre no Brasil, na Europa, na Austrália e nos Estados Unidos), a metodologia vigente é o Método dos Estados Limites. Todavia, alguns setores da indústria ainda utilizam o Método das tensões admissíveis para ativos específicos.

  • Identificar se todos os Estados Limites pertinentes foram avaliados.

É extremamente relevante verificar se os componentes estruturais resistem ao processo construtivo. Peças de aço ou de concreto armado, por exemplo, podem ser içadas durante a construção e tal operação pode ser uma condição crítica para esses componentes, como apresentado na Figura 4.

Figura 4: Condições críticas em situações de içamento. FONTE: Acervo Kot.

Além disso, a estrutura também deve ser avaliada em uma condição de manutenção. Em  pontes e viadutos por exemplo são de grande importância, uma vez que tais estruturas possuem dispositivos especiais nas regiões de apoio e que sua manutenção pode requerer a sua suspensão por meio de cilindros hidráulicos.

Ademais, os estados limites possíveis também dependem da natureza da solicitação.  Em uma ligação de base solicitada somente à tração, por exemplo, todos os modos de falha associados devem ser avaliados [9], mas não há necessidade de verificar os modos de falha relacionados ao cisalhamento da ligação.

  • Avaliação dos fatores de segurança utilizados.

Se a metodologia adotada é a de tensões admissíveis (ASD), utiliza-se um fator de segurança global cujo valor pode ter sido estabelecido por norma ou por boas práticas de engenharia. Ressalta-se que é importante avaliar se o fator de segurança adotado é compatível com o modo de falha e com a solicitação atuante.

Já quando o método de verificação é pelos estados limites últimos, existem fatores parciais que aumentam as cargas e fatores parciais que reduzem a resistência, que são definidos por normas a partir de metodologias bem definidas.

No Brasil, os fatores parciais das ações estão disponíveis na norma ABNT NBR 8681:2003, enquanto os fatores parciais de redução da resistência são obtidos pela norma que regulamenta o tipo de estrutura em questão. Para estruturas de aço, por exemplo, deve ser consultada a ABNT NBR 8800:2008; para estruturas de concreto armado convencional, a ABNT NBR 6118:2014; já para projeto de estruturas de madeiras, a ABNT NBR 7190:2022 é a norma a ser consultada.

Ademais, é significativo avaliar a coerência das combinações de ações utilizadas, especialmente quando é aplicada a metodologia de estados limites. Para ELU’s, o tipo adotado de combinação (normal, especial, de construção ou excepcional) deve ser compatível com o modo de falha considerado e com as ações envolvidas. Isto é, caso se esteja avaliando a ruptura de um componente estrutural durante seu uso, não faz sentido incluir a sobrecarga de construção na combinação de ações, uma vez que esse carregamento está previsto apenas na fase construtiva da estrutura.

Do mesmo modo, a avaliação de ELS’s deve ser coerente com os critérios de desempenho e de durabilidade avaliados. Uma verificação de deslocamentos excessivos, por exemplo, deve ser realizada considerando as possíveis ocorrências de carregamento da estrutura durante grande parte do tempo, e não somente em cenários eventuais.

  • Avaliação dos valores utilizados nas ações solicitantes.

Como já visto, o esforço resistente é apenas um dos fatores da equação referente ao processo de verificação estrutural, sendo os valores adotados às ações solicitantes igualmente importantes.

Nesse sentido, deve-se avaliar se esses valores empregados são coerentes com os esperados, além de investigar se o resultado das solicitações combinadas está na ordem de grandeza esperada.

Essas verificações têm se tornado cada vez mais pertinentes com a difusão de softwares destinados a projetos estruturais. Frequentemente esses programas priorizam a produtividade e assumem premissas não consideradas anteriormente com o intuito de dispensar a intervenção por parte do usuário.  Por outro lado, esses programas reduzem a ocorrência de erros na definição dos valores resistentes. Como resultado, é comum que a divergência entre análises independentes esteja nas considerações referentes às ações atuantes.

  • O que significa a não conformidade estrutural? A estrutura vai colapsar se estiver não conforme? Posso manter minha estrutura/equipamento dessa maneira?

Quando há a ocorrência de uma não conformidade, o que se pode afirmar é que o risco de falha é maior do que o desejado. Como exemplo, as não conformidades estruturais de um equipamento estão destacadas como pontos e áreas em vermelho na Figura 5, que representam tensões acima das admissíveis de acordo com a avaliação estrutural realizada.

Figura 5: Avaliação estrutural de um equipamento. FONTE: Acervo Kot.

Em uma verificação pelo método ASD, isso seria equivalente a um fator de segurança global menor do que o recomendado. Já para a verificação por estados limites, essa informação indicaria que a probabilidade de falha é maior do que a máxima especificada pela norma. Nesse sentido, em relação ao método LRFD, pode-se visualizar no gráfico destacado na Figura 6 que o quantil pré-estabelecido para a ação (fator de majoração) possui valor superior àquele adotado para a resistência (fator de minoração).

Figura 6: Segurança esperada, com base nos valores esperados. FONTE: Acervo Kot.

Portanto, mesmo que a estrutura não tenha colapsado, a verificação de segurança normativa pode apontar uma não conformidade pois, segundo a norma, o risco de ocorrer o colapso é superior ao desejado. Em outras palavras, se uma estrutura está em situação de não conformidade, ainda que isso não tenha resultado em colapso estrutural, a intervenção na estrutura é necessária com o intuito de reduzir o risco de falha.

Conclusão

Tendo em vista os conceitos e metodologias apresentados neste artigo, a importância da segurança estrutural torna-se ainda mais evidente para a proteção dos ativos e estruturas, além da segurança e bem-estar de todos os indivíduos envolvidos.

Ademais, por meio da compreensão das metodologias, aplicações e interpretações desse tipo de análise, a tomada de decisões torna-se ainda mais assertiva, obtendo resultados satisfatórios nos âmbitos de qualidade, segurança e produtividade.

Por fim, caso possua necessidades em soluções estruturais e avaliações de segurança, a Kot Engenharia conta com uma mão de obra especializada para te auxiliar. Entre em contato com nossa equipe!

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Bibliografia e referências recomendadas

  1. LEONHARDT, Fritz, MÖNNIG, Eduard. Construções de Concreto: Vol. 1. 1ª Edição, Editoria Interciência, 1977.
  2. CHOO, Ban Seng. Advanced Concrete Technology, Science Direct, 2003.
  3. VAUGHAN, S., FERREIRA, C.B. Numerical Modelling of Wave Energy Converters, Science Direct, 2016.
  4. CARVALHO, Roberto Chust, FIGUEIREDO FILHO, Jasson Rodrigues. Cálculo e Detalhamento de Estruturas Usuais de Concreto Armado: Vol1. 4ª Edição, Editora EDUFSCAR, 2014.
  5. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8681 – Ações e segurança nas estruturas – Procedimento, 2003.
  6. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 – Projeto e execução de obras de concreto armado, 2014.
  7. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8800 – Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios, 2008.
  8. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7190 – Projeto de estruturas de madeira, 2022.
  9. AMERICAN CONCRETE INSTITUTE, Committee 318. Building code Requirement for Structural concrete, 2019.

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Comment (1)

  • Silvestre Reply

    artigo bem estruturado e claro nos conceitos e aplicações práticas. Excelente!!

    17 de novembro de 2023 at 10:42

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