Aplicações da análise FFS

Conforme abordado anteriormente no artigo Análise FFS – o que é?, as avaliações de fitness for service desempenham um papel crucial em um sistema de gestão de ativos. Esses estudos visam avaliar se uma estrutura ou equipamento está aptos para operação, mesmo com a presença de danos ou degradações.

O objetivo do presente artigo é apresentar alguns exemplos de caso de aplicação da análise FFS. Veja a seguir:

Um acidente de ocorrência relativamente comum, e que pode levar a consequências graves, é o incêndio em estruturas. Neste tipo de situação, é corriqueiro a constatação de danos às regiões mais afetadas pelas elevadas temperaturas, além de redistribuição de esforços para as elementos adjacentes, devido à degradação da rigidez nas regiões críticas. Torna-se necessário, portanto, avaliar a capacidade estrutural residual do ativo, a partir da extensão e intensidade dos danos, e definir sua adequação necessária para operação (fitness for service).

Na Figura 1 é exemplificada a situação de uma estrutura metálica de transportador de correia após a ocorrência de um incêndio na correia.

Figura 1: Situação da estrutura após incêndio.

Neste evento, a caracterização inicial dos danos envolveu a classificação da estrutura em macrorregiões, quanto a sua exposição à temperatura, de acordo com as consequências causadas nos materiais. Os elementos foram avaliados por meio de inspeções visuais, sendo observados aspectos como a presença de tinta nos perfis, eventuais degradações de pintura, descamações e deformações. Nas regiões onde foram identificadas distorções geométricas foi recomendada a substituição do componente.

Complementarmente, foram conduzidos ensaios não destrutivos para determinação das consequências da temperatura elevada nos elementos. Um dos ensaios realizados foi o de medição superficial de dureza, apresentado na Figura 2, que permite uma correlação dos valores medidos com o limite de resistência à ruptura do material. Para quantificar as perdas de espessura devido à descamação provocada pelo fogo, também foram realizadas medições de espessura por ultrassonografia.

Figura 2: Medição de dureza superficial (a) e medição de espessura por ultrassom (b).

Uma vez identificados e quantificados os danos provocados pelas elevadas temperaturas, as perdas de espessura e de resistência foram consideradas em um modelo computacional de elementos finitos utilizado para avaliação da adequação da estrutura, a qual indicou necessidade de reforços/substituição de alguns componentes. Para assegurar um procedimento adequado de reparação do ativo, esse modelo também foi utilizado para o devido planejamento dos procedimentos de substituição dos componentes. Um exemplo de estudo para determinação da viabilidade de remoção de elementos é apresentado na Figura 3 e na Figura 4. As análises indicaram que mesmo com a remoção de elementos estruturais, os índices de utilização do restante da estrutura se mostraram dentro do admissível.

Após a execução dos devidos reparos nos pontos críticos identificados, a estrutura foi liberada para utilização.

Figura 3: Sequenciamento de desmontagem avaliado.
Figura 4: Resultado da análise estrutural com a estrutura degradada e
elementos removidos.

Assim, a avaliação fitness for service, foi utilizada para permitir o planejamento e a execução de todas as demais obras de revitalização da estrutura afetada pelo incêndio, elucidando os riscos envolvidos nos procedimentos e permitindo a elaboração das medidas de prevenção necessárias para garantia da segurança das pessoas e ativos envolvidos no processo.

O fogo também pode levar a deteriorações e danos em estruturas de concreto. Nesse sentido, uma análise de fitness for service deve ser realizada, de maneira similar ao mostrado para estruturas metálicas, para avaliar a adequação da estrutura ou necessidade de reforços.

No que se refere à identificação dos danos, os efeitos da ação do fogo sobre o concreto podem ser caracterizados pela alteração da cor. Concomitante a esta alteração visual, ocorre a perda de resistência que é diretamente proporcional à temperatura a que esse tipo de estrutura é submetido. De forma geral, a falha é esperada quando alcançada temperatura por volta dos 600°C, em que ocorre a expansão dos agregados e desenvolvimento de tensões internas que fraturam o concreto. A avaliação dos danos físicos e degradações de propriedades deve ser validada também por meio de ensaios não destrutivos e extrações de testemunhos, para devida consideração na análise estrutural computacional.

A degradação por corrosão é um dos mecanismos de dano mais comuns em ambientes portuários. O dano evolui ao longo do tempo, gerando perda de material e reduzindo a capacidade estrutural do componente.

O exemplo aqui apresentado envolve a fixação de um tirante de um descarregador de navios, cuja inspeção estrutural identificou corrosão significativa. Neste caso, a perda de material ocorreu por redução de espessura em parte do componente. Por se tratar de componente sujeito a cargas trativas durante a operação, essa redução tem relação direta com perda de capacidade estrutural. Neste caso, porém, devido à localização da corrosão, a geometria do componente foi levemente alterada, gerando uma redistribuição dos esforços com concentração de tensão na área afetada, acentuando ainda mais a não conformidade.

Por se tratar de um mecanismo de degradação que evolui com o tempo, a medida corretiva deve ser executada em prazo compatível com a evolução da manifestação e capacidade estrutural residual. Uma análise conservadora foi realizada, considerando a situação crítica de redução da espessura na região afetada, o que ainda indicou aprovação para a operação prevista.

Este resultado beneficia a operação de duas maneiras. Primeiramente, por permitir uma intervenção programada no ativo, evitando parada imprevista. Em segundo lugar, por permitir apenas a recuperação do componente e da sua camada de proteção por pintura, sem a necessidade de substituição total do componente para recuperar a espessura de projeto, o que representaria uma intervenção significativamente mais dispendiosa e demorada no ativo.

Figura 5: Corrosão com perda de massa severa em chapas de ligação.
Figura 6: Resultado da análise estática fitness for service – Defeito 14.

Deformações estruturais são danos comumente observados em inspeções de integridade estrutural. Trata-se de um termo bastante abrangente, que deve ser tratado de maneira distinta conforme natureza da deformidade, tipo de componente e dos esforços atuantes. Deformações elásticas, em geral, não representam problemas estruturais, desde que não ocasionem efeitos de segunda ordem não contabilizados na estrutura, nem causem interferências ou impactos imprevistos. Por outro lado, deformações plásticas levam à redistribuição de tensões e alteração local nas propriedades do material, representando uma causa mais comum de preocupação.

No exemplo aqui mostrado, tem-se uma deformação plástica localizada em uma lança de carregador de navios, ocasionada por impacto, gerando também uma deformidade angular da lança como um todo. Neste caso, a avaliação de fitness for service deve englobar as verificações de ambas, que apresentam impactos distintos no ativo.

Figura 7: Deformação na mesa inferior da lança do equipamento.

Para a deformação plástica local, a avaliação busca reproduzir no modelo computacional o nível de deformidade observado, computando-se as distorções devido ao impacto, somadas às decorrentes da operação prevista. Além dos limites máximos admissíveis, que variam com cada material, a análise deve considerar também se o dano tem a tendência de propagação (que pode levar a falha por plasticidade cíclica) ou de estabilização após a redistribuição das tensões e aplicação das novas cargas, o que pode afetar o prazo previsto para intervenção, se necessária. O estado de tensões residuais no componente pode afetar ainda a possibilidade de instabilidade do painel, a qual também deve ser estudada.

A análise de toda a superestrutura torna-se recomendada no caso da deformação global de torção na lança, uma vez que essa implica em desbalanceamento entre as cargas dos tirantes.

Nesse exemplo, o nível de esforços previstos na região de deformação plástica, em algumas situações operacionais específicas, excede os limites recomendados para o material, sendo indicada a necessidade de reparo. Foi sugerida correção pela técnica de hot mechanical straightening.

Figura 8: Modelo de elementos finitos do equipamento com implementação do defeito.
Figura 9: Análise estática de tensões após implementação do defeito no modelo.

Um dos principais iniciadores do estudo de fitness for service é a identificação de trincas estruturais, sendo a principal preocupação quanto a este mecanismo de dano uma possível propagação até a falha do componente. Nestes casos, a partir da caracterização do defeito identificado (dimensões, localização formato), uma avaliação de mecânica da fratura é conduzida, considerando a geometria e os carregamentos previstos no componente, para determinação da intensidade de tensões na ponta da trinca e sua tendência de propagação.

Caso seja identificada tendência de propagação, a análise busca determinar também a velocidade e direção desse desenvolvimento, bem como o comprimento crítico, para definição do prazo disponível para intervenção e das melhores ações a serem tomadas.

No exemplo abaixo, uma trinca foi identificada na conexão de um tirante de descarregador de navios, que representa um componente crítico para a integridade do ativo. Devido a sua localização, a intervenção para correção é custosa e demorada. A partir da caracterização da descontinuidade e das propriedades do material estrutural, um estudo de mecânica da fratura foi conduzido, para determinação do prazo previsto até a falha, em diferentes taxas de operação, permitindo ao responsável pelo ativo um planejamento mais adequado da parada de manutenção, a partir das demandas operacionais. Até a execução do reparo, o crescimento do defeito foi monitorado diariamente.

Figura 10: Identificação de trinca em tirante de descarregador de navios.
Figura 11: Cálculo de propagação da trinca para várias taxas de operação.

O segundo exemplo referente ao mecanismo de dano por fadiga diz respeito à componentes ferroviários. Neste caso, foi identificado, pelo cliente, grande quantidade de trincas em travessas de truques de vagão ferroviário, levando a sucateamento dos componentes.

A maior parte destas travessas encontrava-se em operação há décadas, indicando que as trincas de fato estariam relacionadas a um fim de vida de projeto e poderia se esperar, portanto, que outras trincas surgiriam nas demais centenas destes componentes que permaneciam em operação. Desta forma, devido ao grande número de ativos, e às inerentes limitações de tempo de parada da ferrovia, seria benéfico para o cliente identificar um prazo admissível para sua substituição, a partir das características das descontinuidades observadas, criando-se assim um critério de sucateamento destas travessas. Com isto, as trocas podem ser realizadas de forma programada, minimizando o impacto e sem a necessidade de realizar uma substituição antecipada dos componentes que ainda possuírem capacidade residual adequada.

Para a determinação destes critérios de sucateamento, foi elaborado um modelo computacional em elementos finitos do elemento, a partir do escaneamento 3D da geometria da peça. Foi realizada também a instrumentação das travessas com extensômetros para aquisição das cargas atuantes, durante um trajeto de aproximadamente 1.000 km. Os carregamentos medidos foram tratados estatisticamente e aplicados ao modelo estrutural, de forma a permitir o cálculo da propagação da trinca, por teoria de mecânica da fratura e avaliar a adequação do componente à operação (fitness for service) para cada configuração de trinca. Os resultados foram então compilados para elaboração dos critérios e plano de sucateamento da travessa.

Figura 12: Localização dos pontos de extensometria na travessa.
Figura 13: Exemplo de configuração de trinca avaliada para definição do critério de
sucateamento.

A partir dos exemplos relatados, conclui-se, então, que a análise FFS tem uma ampla gama de aplicação, enfatizando a importância dessas avaliações na gestão de ativos. Desde estruturas metálicas e de concreto afetadas por incêndios, até componentes sujeitos à corrosão, deformações e trincas, cada caso destaca a necessidade de avaliar a capacidade residual de operação dos ativos mesmo em situações de degradação.

A análise FFS permite não apenas identificar a severidade dos danos, mas também determinar prazos viáveis para intervenções, minimizando paradas inesperadas e prolongando a vida útil dos componentes com segurança. A utilização de modelos computacionais de elementos finitos, ensaios não destrutivos e inspeções detalhadas são fundamentais para elaborar planos de reparo e substituição, assegurando a continuidade das operações sem comprometer a integridade dos ativos. Dessa forma, esse tipo de estudo se consolida como uma ferramenta essencial para o planejamento estratégico de manutenção e melhoria de recursos em sistemas industriais e ferroviários. Consulte nossa equipe para maiores informações!

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Equipe Kot Engenharia

Com mais de 30 anos de história e diversos serviços prestados com excelência no mercado nacional e internacional, a empresa promove a integridade dos ativos dos seus clientes e colabora nas soluções dos desafios de Engenharia. Para essa integridade, utiliza ferramentas para o cálculo, inspeção, instrumentação e monitoramento de estruturas e equipamentos.

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